Cold Sands: Beyond the Frore Dunes - Capítulo 43 - Extra II - À noite, os corvos choram
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As costeletas do duque estão pontilhadas de manchas cinzas. Estava deitado, enrolado com os olhos profundamente fechados de sono, aninhado em uma pilha de cobertores de brocado lindos, mas de aparência fria. Um cheiro forte de ervas misturadas com aromas de calmantes e incensos enchia a sala, persistindo como um nevoeiro espesso sem se dispersar.
Cada vez em que respirava e fechava seus olhos, ele podia ver a fumaça da guerra, o fogo, alguém montando um feroz cavalo cor de tinta com seu roupão de batalha tingido de sangue e sua espada dividindo o mundo de carmesim.
Começou a tossir de dor, cada vez mais ruidosa que a anterior. A duquesa tinha acabado de chegar à porta quando ouviu o som extremamente doloroso. Ela rapidamente correu.
Ela o ajudou a se sentar e deu um tapinha em suas costas enquanto ele tossiu violentamente por um tempo antes de finalmente parar.
Trouxe uma tigela de remédio para ele tomar, mas ele balançou a cabeça: “Agora não, não tem outra coisa que sinto que não seja remédios”.
Só podia virar e colocar a tigela na mesinha, e depois apoiou o travesseiro para o duque poder se inclinar contra a cama.
Os dois se olharam em silêncio. Ele tentou dizer alguma coisa, mas ela tremeu a cabeça suavemente. Olhou para baixo e pegou suavemente suas mãos: “Sinto muito, princesa”.
O coração da duquesa era atormentado pela dor, mas só o que podia era apertar as mãos do marido e lutar contra suas lágrimas.
Ela o viu liderar dezenas de milhares de cavalarias na capital; observou enquanto ele lutava ao lado do Imperador; testemunhou seus gloriosos títulos e dádivas, e então seu casamento com ela, seus votos perante aos céus e terra de nunca deixá-la ou abandoná-la.
Segurando as mãos ternas de sua esposa, ele começou a sentir-se tonto, há muitos anos ele segurou outro par de mãos da mesma forma, mas com calosidade nas palmas devido ao uso de armas. O dia em que tomou a mão da Princesa Mais Velha de Yong Zheng em casamento, tudo o que ele podia ver era vermelho que feria seus olhos tanto que quase não conseguia ver os olhos de todos. Com o Imperador como testemunha, todos os oficiais vieram parabenizar.
Como o irmão mais velho, conduziu a noiva para o tapete vermelho até que ela ficasse ao lado dele. Ele parecia estar sorrindo feliz, ou talvez não, ou talvez o duque simplesmente não queria ver.
O sorriso daquele homem nunca foi para ele.
O duque apoiou-se no ombro da esposa, ouvindo-a cantar as melodias que aprendera em seus primeiros dias no Palácio. Sua voz era gentil com uma pitada de sabor de Jiangnan, das flores de damasco de primavera que caem nas pontes que cruzam os cursos d’água. Por um segundo, foi como se ele tivesse retornado a Huizhou com os azulejos pretos e paredes brancas, a casa de seus sonhos.
“Ah-Yao…”, ele sem saber, chamou o apelido de bebê de sua irmã.
A voz da duquesa vacilou um pouco antes de finalmente parar de cantar. Ela inclinou o rosto dele enquanto se inclinava: “Ah-Yao está bem, está vivendo no Palácio de Yao Guang. Lin Die está ficando grande e forte agora, assim como seu tio”.
Por fim, o duque sorriu. Ah-Yao era uma garota simples. Ele ainda conseguia se lembrar dela em seu vestido de casamento, coroa de pérolas e adorno de cabeça, com as bochechas em um vermelho vivo quando ela entrou na carruagem cerimonial com grande excitação. Não havia uma pessoa que não houvesse ouvido falar dos feitos heroicos do Imperador e poder tornar-se sua esposa era a fantasia de inúmeras damas.
Ele dedicou seus primeiros anos à guerra em troca de riqueza e poder para sua família, bem como fama para si mesmo, mas um passo errado significaria desgraça para ele.
Desde o fim da guerra, o Imperador suspendeu projetos trabalhistas, diminuiu impostos, ajudou os refugiados na colonização, incentivando-os a cultivar terras áridas e plantio, lutou contra a corrupção para fortalecer o estado. O país melhorava a cada dia e o povo elogiava o nome de seu governante, mas nenhum oficial poderoso permanecia ileso sob um homem sábio.
Pelo menos ele estava vivo e tinha o apoio de sua família.
Mas ainda conseguia se lembrar de seu olhar perdido depois de atirar nos refugiados e como ele tremeu no local. Foi naquele momento que ele viu através de sua fachada de crueldade e falta de coração, quando percebeu que não era nada além de um jovem de vinte anos que foi forçado a suportar tal peso e responsabilidades.
Assim, ele permaneceu ao seu lado e viu o país voltar à vida depois das chamas da guerra, muitos comércios sendo revividos, a vida voltando ao normal e, finalmente, paz.
Ele sabia que tinha pouco tempo, mas ainda pensava com desejo. Ele queria vê-lo apenas uma vez, mesmo que seja apenas para falar, ainda que brevemente, sobre os velhos tempos durante a guerra.
Com o passar do tempo, o céu escureceu e a chuva caiu mais forte. Uma criada irrompeu na sala, irritando a duquesa.
“Qual o significado disso?”, ela repreendeu baixo.
A servente ajoelhou-se entregando algo: “Um homem veio, pedindo para ver o duque, mas não quis dizer seu nome. Ele apenas entregou este leque dizendo que o duque saberia”.
Os olhos do duque se abriram. Ele se inclinou e agarrou o objeto, movendo-se muito rapidamente. A duquesa ficou intrigada a respeito do porquê seu marido agia assim. O véu na frente da porta foi levantado e um homem se aproximou com o respingo de água de chuva. Ela estremeceu e se ajoelho: “Sua Majestade”.
O homem, em traje casual, acenou com a mão para impedi-la de realizar os rituais, deixando um suspiro quase silencioso enquanto olhava para a cama.
Com as velas queimando, o Imperador sentou na cadeira diante da cama. A esposa ajudou o duque a apoiar-se mais uma vez enquanto ele olhava para o homem, tremendo com a boca aberta, mas sem falar.
“Duque”, o Imperador limpou a garganta suavemente: “Como você está se sentindo?”
Mas, com toda a franqueza, ele não precisava perguntar para saber. O rosto do outro estava pálido e havia perdido a expressão. O cabelo grisalho se projetava e as rugas entre as sobrancelhas eram maior que o normal, fazendo-o parecer ainda mais senil. Tudo isso e o odor da sala já explicavam tudo.
O olhar de depressão apareceu no rosto da duquesa: “Em resposta à Vossa Majestade, o médico imperial disse que seus pulmões estão cansados de tantos anos de estresse de trabalho de guerra e dos velhos ferimentos de batalha anteriores… a condição é horrível, eles dizem”.
O duque e o Imperador se olharam e um silêncio incômodo baixou entre os três.
“Você pode ir, Qingyi”, o Imperador finalmente falou: “Tenho algumas coisas para discutir com o duque”.
Ela olhou e apertou os braços em volta do marido, que por sua vez deu um tapinha nas costas de suas mãos. Ela permaneceu rígida por um tempo antes de sair em silêncio.
À medida que o fogo crepitava, as sombras que lançavam se tornaram tão ameaçadoras que era difícil de encarar.
O duque olhou fixamente para o homem diante dele, que havia sido poupado da crueldade do tempo, mesmo depois de duas décadas. Seus olhos e sobrancelhas eram como antes, exceto a vivacidade, que estava longe de ser encontrada. Tudo o que restou foi escuridão e desolação.
Suas pupilas não estavam mais claras como antes. Em vez disso, foi substituído por um negro tão escuro que trazia assustadora frieza.
“Diga o que deseja me dizer”. O tom do Imperador foi o mais neutro possível.
Como se fosse uma ilusão, o homem que precisava de ajuda para sentar-se, fez por si só.
“Vossa Sábia Majestade, sempre fui leal. Nunca planejei usurpá-lo”.
Ele queria dizer isso há algum tempo, mas nunca lhe deram a chance. Não queria levar arrependimentos para seu túmulo.
“Eu sei”.
“E nunca planejei ajudar meu sobrinho a assumir o trono”.
“Eu também sei disso”.
“Então… porque você…?”
“Apenas ‘no caso de’. Foi por prevenção”.
O Imperador respondeu calmamente. Seus olhos estavam escuros como a noite. O duque enrijeceu e começou a sentir frio. Era como se cada movimento seu fosse monitorado pelo Imperador e seus olhos podiam ver através de seu corpo e sua alma.
“Você está desde o início comigo”. O Imperador falou de repente: “Você deveria saber como faço as coisas”. Era algo que parecia aleatório, mas o duque entendeu.
Traição ele realmente considerou. Seus subordinados o incitaram e ele hesitou. E se ele não o derrubasse, ele continuaria a observá-lo, mas nunca o pegaria. E por causa de sua posição, sempre seria cauteloso com ele e poderia até eliminá-lo. Mas se o fizesse, poderia perdê-lo, mas ainda assim ele teria uma chance de torná-lo seu para sempre.
E foi justamente naquele momento de hesitação que seu destino virou de cabeça para baixo.
“Sua Benevolente Majestade–”
O homem o interrompeu com um aceno de mão. Ele olhou para cima e seus olhos estavam um pouco enevoados: “Naquela época, o exército Yan sitiou a capital, eu tinha acabado de ascender ao trono. Para frustrar um inimigo formidável, limpei o Palácio, purguei o Tribunal e até atirei em refugiados. Recebi o título de cruel por causa disso e não é difícil de imaginar o que mais será acrescentado pelos séculos a partir de agora. Mas eu nunca me arrependi”.
O duque fechou a mão, sentindo dor vindo das palmas. Falou com cautela e trêmulo: “O que Você teria feito se eu não tivesse hesitado em derrubar o trono então?”
O Imperador estudou em silêncio o homem à sua frente. O poderoso guerreiro se tornou um paciente doente. O rosto que era cheio de energia e poder agora estava cheio de doenças.
Ele abriu um sorriso: “Você não teria passado pelos doze portões da cidade”. E acrescentou depois de uma pausa: “E você acha que todos os soldados que o encorajaram eram seus homens?”
O duque baixou a cabeça enquanto uma onda de ar frio parecia emanar da pessoa a frente dele e envolver a sala inteira, fazendo-o estremecer sem motivo.
O Imperador brincava com o leque nas mãos e franzia os lábios. Foi comprado em uma loja nas margens do Lago Yu durante sua primeira pesquisa disfarçada. Ele olhava uma variedade de brinquedos e bugigangas e pegou o que o duque escolheu para ele.
A tristeza começou a crescer no coração do duque. O homem diante dele só queria testar se ele se recusaria ou não. Se hesitaria ou decidiria cometer traição, mas independente do que ele tivesse feito, o Imperador ainda encontraria uma vantagem contra ele. Ao todo, estava desconfiado dele, como são todos os governantes desde o início.
Então, sorriu. Pela primeira vez em vinte anos, ele sorriu sem limites.
Esse homem era seu ponto fraco, um veneno que o fazia se perder. No entanto, ao ver esse homem, cruel e sem coração, ele cairia de boa vontade e perseguiria o veneno.
Lambeu os lábios rachados e disse com um pouco de teimosia: “Se você e eu tivéssemos diferentes identidades em um tempo diferente, Sua Majestade, nós também seríamos diferentes?”. Ele fez uma pausa antes de dizer: “Talvez pudéssemos ser… amigos?”
O Imperador na ficou zangado com as frases informais. Ele ficou sentado quieto, exceto pelos dedos acariciando a alça de marfim do leque: “Os imperadores não têm amigos, mas talvez pudéssemos ter sido se eu não fosse o governante. Mas apenas amigos”.
Seus olhos não revelaram segredos: “Diz-se que a mente sagrada do imperador não é fácil de entender, mas depois de todos esses anos você entendeu, não é?”
O duque ficou aliviado. Percebeu que o Imperador há muito sabia sobre seus sentimentos. Talvez tenha sido por causa daquele beijo naquela noite devastada pela guerra e pelo derramamento de sangue, ou pelo seu companheirismo ao longo dos anos, mas isso já não era importante. Não era correspondido do começo ao fim.
Ele observou as costas do Imperador quando este se levantou da cadeira, acertando as mangas e caminhando em direção à porta.
“Enfim, não te matei, Ziyu, e não vou te matar agora”. O vento soprou nas roupas do homem. Seu corpo parecia mais magro com as roupas largas: “Portanto, concentre-se em melhorar”.
Quando ainda estava prestes a passar pela soleira da porta, o duque exclamou: “Por favor, espere, Sua Majestade”.
Ele se virou para ver o homem fraco se levantando trêmulo, aparentemente para descer ao chão. Rapidamente disparou para frente e o parou: “Você está louco? Não pode deixar a cama com esta doença!”
O duque deu um sorriso amargo e no momento seguinte, ajoelhou-se na cama: “Espero sinceramente que Vossa Majestade não guarde rancor contra meus erros depois que eu partir. A ação de um pecador não tem nada a ver com sua família”.
A mão do Imperador congelou no ar antes de abaixar mole e encolher para trás na manga. Ele recuou discretamente.
“Fique tranquilo. Qingyi é minha irmã e Heng Chu é meu sobrinho. Eu nunca os trataria mal”. Ele se virou mais uma vez e examinou a figura ajoelhada respeitosamente na cama, sem se demorar por mais um momento.
O duque o observou partir, e com isso, seu coração partido congelou. Seus membros ficaram fracos e ele desabou na cama.
A duquesa entrou correndo e ficou apavorada ao ver o marido tossindo tanto sangue. Ela gritou enquanto o segurava: “O que aconteceu, Ziyu? O que você disse à Sua Majestade?”
O duque balançou a cabeça e deixou que ela limpasse seus lábios e o colocasse de volta na cama. Toda a sua força parecia ter sido drenada e logo perdeu a consciência.
O médico olhou para a duquesa com uma expressão sombria depois de analisar o pulso. Ela sentia como se estivesse caindo cada vez mais fundo em um mundo de gelo onde é tão frio que não se pode viver adequadamente.
“Sinto muito, minha senhora… o duque…”
***
Os escolásticos eram preferidos no Grande Rui e a pequena nobreza só participava nas caçadas a cavalo como um ‘hobby’ social. No entanto, o Imperador gostava de esportes e os príncipes eram adeptos também, tornando-se uma prática popular.
Todo outono o Imperador liderava funcionários e a Família Real para caçar no Bei Yuan, seu Palácio de Verão.
As trompas tocaram e as espadas cerimoniais foram erguidas. O governante vestido com uma túnica preta e armadura de prata cavalgou em um cavalo branco com o príncipe mais velho e com o segundo príncipe. Com um bater de seu coração, ele encaixou seu arco e atirou. Um pássaro branco uivou ao cair do céu no chão em frente ao seu cavalo.
A festa rugiu, todos aplaudindo e torcendo. Um leve sorriso apareceu no rosto do Imperador enquanto ele jogou o arco para o príncipe real.
Os altos funcionários presentes pensavam consigo mesmos que o príncipe real havia nascido da Imperatriz, portanto, era o herdeiro e o filho mais velho. Ele era obediente aos mais velhos, compassivo, inteligente e trabalhador, e o mais importante de tudo, ele não era tão sanguinário quanto seu pai. Era o sucessor perfeito, não importa com alguém olhasse para ele.
No momento seguinte, um soldado entrou correndo em um cavalo. Ele saltou e disse com as mãos entrelaçadas: “Reportando-se à Vossa Majestade, acaba de chegar a notícia de que o Duque de Huai Nan faleceu”.
A notícia não era diferente de um trovão vindo do meio do nada. O duque tinha sido um tema tabu por vinte anos. Todos prenderam a respiração em antecipação e mantiveram suas cabeças abaixadas, poucos ainda olhavam para o Imperador.
O príncipe real apertou o arco e olhou para seu pai apenas para ver que sua expressão não havia mudado em nada. Foi o mesmo rosto frio e indiferente. O príncipe pensou que por um segundo ele havia se enganado, mas não tinha. Não havia uma sugestão de tristeza na cara de seu pai.
O governante virou-se: “Continue”.
E desde então, toda a Corte sabia a atitude do Imperador.
O príncipe montou para a floresta atrás de seu pai. Sua corrente correu como o seu cavalo. Ele nunca foi capaz de ver através dos olhos sem fundo de seu pai sobre seu passado enterrado bem no fundo. Sempre foi respeitoso com ele, mas também tinha um pouco de medo. Seus olhos não exibiam nada além de autoridade incontestável para os outros.
Ele até sentia que seu pai só o tinha e aos irmãos por causa de suas obrigações e responsabilidades. As únicas pessoas para quem seu pai sorria era a Consorte Yuan e seus dois filhos, especialmente aquela linda e delicada irmãzinha princesa bebê dele. Seu pai iria olhar para ela como seu mais novo tesouro. Dos sete filhos, era a única a ser segurada em seus braços.
Mesmo assim, quando o pai viu a princesa mais jovem sendo mandona e dominadora, ele bateu com as palmas várias vezes. Enquanto ela chorava, ele repreendia a todos os sete: “Minhas crianças podem ser orgulhosas, mas nunca arrogantes!”
O príncipe real suspirou. Ele nunca poderia entender seu pai.
***
No sétimo ano de Qian Ning, o Duque de Huai Nan faleceu.
O funeral do único príncipe sem Real Sobrenome foi extremamente simples. O Ministério dos Ritos organizou o serviço de acordo com os desejos do Imperador e entregaram jades, carroças, cavalos e muitos outros tesouros como tributos fúnebres. O Imperador não compareceu no dia do funeral e apenas enviou o príncipe real para ler o discurso, a Consorte De e seu filho.
Não havia muitos funcionários, talvez porque o mundo fosse um lugar frio ou talvez estivessem com medo de serem associados à deslealdade e irritar o santo governante. Apenas alguns seniores, funcionários credenciados e honoráveis auditores compareceram. Quanto aos antigos subordinados do duque, eles morreram, foram rebaixados ou exilados. Não restou mais do que um décimo.
Consorte De chorou com seus olhos vermelhos e inchados e mantinha o luto, juntamente com a duquesa, vestindo branco.
O duque foi enterrado em um mausoléu na extremidade sul do cemitério real.
***
A noite estava fria como a água. A única luz não era nada, mas um ponto minúsculo no Palácio. O Imperador foi envolto pela escuridão, enquanto a Duquesa de Huai Nan se ajoelhou congelada sobre o piso gelado. A frieza subia pelas pernas e tomava conta dela por inteiro.
“E porque você veio hoje?”. O homem falou casualmente, mas como saiu poderia causar arrepios.
Ela ergueu a cabeça e levantou uma carta em suas mãos: “Meu marido deixou esta carta antes de partir e me pediu para entregá-la à Vossa Majestade com minhas próprias mãos”.
“Então me dê”.
Ela se curvou e prostrou-se enquanto segurava as lágrimas.
“Você me odeia?”. O Imperador perguntou de repente.
“Não”.
Ela ouviu a risada dele, um som ressoante e arrepiante.
“Todos vocês dizem isso, mas bem sei. Não é que você não me odeie, simplesmente não ousa”, murmurou. Ele conhecia a mente humana muito bem e tinha aprendido como ditá-los.
“Você está lamentando que eu nunca o tenha defendido, embora soubesse que ele nunca conspirou contra a Coroa?”
O rosto da duquesa estava pálido. Ela mordeu o lábio e murmurou: “Ele tinha apenas cinquenta anos”.
Ele a ignorou e continuou: “Eu não o protegi? Se não me importasse com ele, porque daria a mão de uma nobre princesa em casamento? Porque não o despojei de sua nobreza e o mandei para prisão depois que seus planos foram estragados? Porque sua mesada não diminuiu?”
A duquesa olhou para o Imperador com ódio. A mente sagrada era difícil de prever e seus pensamentos sempre foram mascarados por um véu espesso.
A morte de seu marido permitiu-lhe ver através desse véu. Até ela, seu sangue, fazia parte de seus planos.
É como se ele não tivesse coração e nunca tivesse amado ninguém, nem mesmo a si mesmo. Cada pessoa é apenas mais um joguete. Ele poderia abrir o mar e sacudir a terra. Fazer qualquer coisa que quisesse nesse mundo, até colocar em cálculos a coisa mais maravilhosa: o amor.
Tremia incontrolavelmente, incapaz de se conter: “Sua Majestade, você sabe como é amar uma pessoa? Você já amou alguma vez?”
O Imperador enrijeceu enquanto levantava a cabeça, exibindo um sorriso amargo.
Ela já não se importava mais em desrespeitar a Coroa: “Ser um velho solitário não é bom, não é, Sua Majestade?”
Naquele momento, ela viu tristeza e dor em seus olhos, e mais uma solidão indescritível. Eram como os oceanos sem limite, capaz de devorar tudo. No momento seguinte, ela pensou ter se enganado, pois seus olhos eram do mesmo preto denso, com sugestão de zombaria.
“Você escolheu palavras inadequadas, Qingyi, mas por causa de seu estado de luto, não vou considerar uma ofensa”. O homem esboçou um sorriso tênue que parecia ridicularizá-la: “Amor? Não há ninguém no mundo que tenha o direito de apontar o dedo para mim”.
Ele deu um suspiro profundo enquanto abanava a manga. A duquesa conhecia um velho ditado, mas agora seria inútil, então ela se curvou mais uma vez e saiu depois de realizar os rituais.
A carta foi desdobrada e cada palavra lida com atenção.
“Benevolente, Majestade
Venho de uma família de origem baixa e investi minha vida, embora fraca e insignificante, para a guerra e suportei muitas dificuldades. No entanto, o momento mais perigoso de minha vida não foi recuperar o norte, nem lutar contra os piratas em Jin An, nem prisão perpétua na mansão, mas os dias lutando lado a lado com Sua Majestade contra o Grande Yan. São também os momentos dos quais eu sinto mais falta. Eu não odeio e nem me ressinto do que Vossa Majestade tenha feito. Não me arrependo de como eu me sinto. Não serei mais capaz de servir à Sua Majestade depois de partir, mas mesmo assim, desejo poder encontrá-lo e conhecê-lo no próximo renascimento. Meus sentimentos não mudarão nem na próxima vida, se houver uma.
Que Vossa Majestade viva enquanto os céus o permitirem com a saúde excelente
Seu súdito mais pecador
Heng Ziyu”
O Imperador deixou escapar um leve suspiro e dobrou a carta. Ele pegou o leque e o estudou por um tempo antes de posicionar a carta acima de uma vela. As chamas ganharam vida, lambendo o papel e transformando-o em meras cinzas, flutuando no ar.
“Na próxima vida?”. Ele balançou a cabeça: “Não quero uma, já tive o suficiente nesta daqui”.
Certamente, ele captou o ódio nos olhos da duquesa quando ela se virou para sair. Isso não foi somente por causa do falecimento de seu marido, mas continha mais coisas de outras naturezas mais profundas e turbulentas. Que no momento seguinte, foi encoberto por uma profunda melancolia.
As mulheres são melhores quando são burras, assim como as mulheres do Palácio interno.
Lentamente, ele alcançou seu pescoço, sentindo seu pingente pacificamente pendurado ali. Sua vida havia parado por vinte anos, desde sua despedida e a pessoa que tinha vivido neste corpo era apenas um governante que atendia pelo nome de Lin Xin.
Como alguém poderia pedir a alguém sem coração para retribuir sentimentos?
Houve um fogo que conseguia arder em seu coração em sua juventude, mas aquele fogo há muito se extinguiu. Ele viveu por quatro décadas, mas realmente só tinha vida nas duas primeiras. As duas últimas não pertencia a ele.
Por vinte anos, ele viveu em seu palácio deserto. Foi um imperador sábio, um governante em uma época de prosperidade, que aliviou impostos e gerou trabalho, reorganizou o tribunal, simpatizou com pessoas e que devotou sua totalidade ao país. Mas quem poderia imaginar que ele era um homem lamentável que acordava no meio da noite com sustos e pesadelos?
Ele pertencia ao reino, ao país, ao Clã Real de Lin, a todos, exceto a ele mesmo e aquele homem do norte.
Tinha envelhecido. Depois de passar por incontáveis batalhas e desafios, seus anos dourados foram doados ao fluxo infinito do tempo. Houve um momento em que ele estava realmente vivo, mas esse tempo já se foi.
O fogo piscava precariamente na lâmpada de bronze sob o sopro do vento frio.
Ele saiu do salão e parou no topo do Palácio Tai Qing, olhando para a escuridão dos céus do norte. Um murmúrio rouco escapou junto com uma amargura inquebrável: “Yu”.
Em sua vida extraordinária e selvagem, essa era uma palavra que ele jamais poderia pronunciar. Poderia apenas se ouvida de seus lábios na escuridão da noite como uma tentativa silenciosa de conforto próprio.