Imperial Uncle - Capítulo 57 (Fim)
A chuva está caindo em baldes; sob o beiral de um terraço coberto, abro um guarda-chuva e o vento se inclina para mim enquanto varre o chão.
O jovem atendente diz: “Senhor, não pode sair nesse tempo. Melhor voltar ao seu quarto e descansar um pouco. Ouvi até que barcos viraram no rio ontem com esse tempo”
Levanto meus olhos ao céu e, enquanto o vento parece estar diminuindo, decido correr na chuva, de qualquer maneira.
Ouvi que Ruihe veio a esta cidade no dia anterior, mas infelizmente no momento em que cheguei aqui na pousada em que o grupo deles está já estava lotada. Possivelmente, vão embora assim que a chuva parar. E, além disso, como está chovendo forte já na metade do dia, terão que comer no salão principal. Pareceria mais natural se eu fingisse que estou tentando me abrigar.
Nem dei alguns passos antes de o vendaval soprar meu guarda-chuva. Voltando á pousada, pelo uma capa de chuva e um chapéu de bambu ao atendente. Assim, continuo a me lançar com muita dificuldade. Em um cruzamento, de repente, vejo alguém que está em pé perfeitamente, como se a tempestade fosse lança-lo a qualquer momento. As duas pessoas ao lado dele estão desesperadamente tentando arrastá-lo.
Quanto mais eu olho para essa figura, mais familiar me parece. Quando chego mais perto, não posso evitar de gritar: “Rans—”
Essa pessoa se vira. Levanto a ponta do meu chapéu de bambu: “Mercador Mei”
Nunca vi Liu Tongyi em um estado tão triste antes. Seu cabelo e suas roupas estão grudados em sua pele. Parece um fantasma que morreu por afogamento.
Tento trazer um sorriso, mas estranhamente não consigo. Eu me encontro incapaz de qualquer coisa, exceto de dizer algo não natural: “Mercador Mei… que coincidência… nos encontramos novamente…”
Ele me encara e sorri: “De fato, que coincidência. Nos encontramos novamente”
Tiro meu chapéu para prende-lo na cabeça dele e arrasta-lo para a pousada. Imediatamente ordeno um banho e uma sopa quente, preparo um chá de gengibre, mas de alguma forma, Liu Tongyi fica com febre. Por dois dias seguidos põe para fora tudo o que come. Todos os seus servos e atendentes só sabem lamentar.
Seu administrador diz, enquanto se pendura na minha manga: “Foram problemas pulmonares que levaram o velho mestre e agora se… o jovem mestre também… o que devemos fazer? O que devemos fazer?”
Assim, o grupo inteiro deles começa a choramingar e soluçar como um coro. Eu os tirei todos do quarto.
Tarde da noite, torço uma toalha fria e coloco sobre a testa de Liu Tongyi. Confesso a ele que nenhum dos nossos encontros recentes foram coincidência. É verdade que fui para Java. Durante o mês que fiquei lá, olhei ao meu redor para onde só se podiam ver coqueiro até onde a vista desse. Um pedaço do meu coração sentindo-se terrivelmente, insuportavelmente vazio o tempo todo.
Eu me senti inquieto.
Na minha idade, qualquer emaranhado que possa ter tido antes, seja real ou imaginário, são todos como fumaça e espelhos agora. Mas quando não tinha nada em meu nome, havia alguém em quem eu podia confiar, quem poderia me acalmar, quem poderia me fazer companhia – além de tudo, isso sim era real.
E esse alguém só pode ser Liu Tongyi.
Não importa se ele é o Chanceler Liu em pé nos salões do Tribunal Imperial, Mei Yong que administra Ruihe ou mesmo o dono de uma pequena casa em Suzhou.
Pego a mão dele e a coloco embaixo do coberto: “Portanto, nada deve acontecer com você. Caso contrário, quando eu realmente encontrar meu fim, em quem devo confiar?”
Estou prestes a me levantar para verificar o frasco de remédio quando ouço a voz baixa e fraca.
“Por favor, não me peça para fazer isso de novo… você me assustou três vezes… já tive o bastante”
***
Limpo o nariz e tomo o xarope. Duas batidas soam na porta antes que o atendente de Liu Tongyi entre: “Mercador Zhao, nosso gerente já está de pé. Ele disse que gostaria de almoçar com você”
O almoço é uma coisa insípida porque ainda estou resfriado e Liu Tongyi acabou de superar uma luta contra uma doença grave. Além de uma tigela de caldo de peixe com leite, todo o resto da mesa são legumes verdes e cascas de rabanete.
Não podemos nem tomar bebida de arroz.
Depois de terminar uma refeição sem muito interesse, realmente não estou com vontade de beber chá. Não posso provar o aroma. Minha boca está cheia de amargura sem graça.
Seguro a xícara de chá na mão e digo a Liu Tongyi: “Isso me lembra algo, comerciante Mei. Gostaria de te pedir ajuda com alguma coisa”
A mão dele faz uma pausa enquanto está servindo seu chá: “Por favor, vá em frente, comerciante Zhao”
“É assim, há um tempo atrás, perdi um pouco de dinheiro em um negócio, então…”
Ele pousa o bule e olha para mim. Continuo: “… Não estou pedindo dinheiro emprestado. Queria te perguntar… existem aberturas em Ruihe? Como assistente, administrador ou coisa assim? Olha, seu negócio está ficando maior e maior e há muito trabalho. Então, deve precisar de ajuda, além de que…”
Liu Tongyi continua me olhando. Encontro seu olhar e começo a sorrir: “Ransi, você sabe… viveremos andando em círculos assim até quando?”
“Eu não estou andando em círculos. Mas você – você tem andado em círculos o tempo todo”
Dez anos depois, é o quinto mês mais uma vez. Ransi e eu viajamos para o exterior para cuidar de um envio e no momento e que voltamos já era outono. Ao chegarmos, o atendente Li me disse que havia uma carta urgente da Capital me esperando aqui por quinze dias, dirigida a mim pelo meu nome completo.
Desde que saímos do navio, Ransi e eu notamos algo diferente sobre o clima e ouvi algumas conversas ao longo do caminho. Assim que vejo o envelope, meu coração fica frio.
É a caligrafia de Qitan.
Abro apressadamente. Há apenas algumas palavras dentro, mas fazem meus membros se congelarem
‘Tio, Sua Majestade está gravemente doente. Ele deseja vê-lo mais uma vez’
Estimulei minha montaria todo o caminho até a Capital. Passo pelas muralhas da cidade para encontrar ao guardas vestidos da cabeça aos pés vestidos de índigo, enquanto levantam uma bandeira de luto. Repentinamente, minha visão se escurece e não sei o que acontece em seguida.
A chuva de outono é constante e densa, encharcando a terra. Os bordos da montanha formam uma sombra vermelha. Cavo através da sujeira e enterro o pequeno frasco de porcelana azul ao lado da estela. As palavras ‘Aqui jazem os ossos do Imperador Dezong’ estão esculpidas nela.
(*estela: lápide)
Independente disso, só me lembro que meu sobrinho Qizhe não era um sábio e nem sei se se chamava Dezong; era apenas um garoto quieto, esquisito, um pouco tímido com estranhos. Quando você nasce em uma família imperial, existem muitas regras e restrições que deve respeitar. Ele não podia tocar naquilo que queria, não podia comer o que queria. Por uma questão de etiqueta e respeitabilidade, não viveu sua adolescência.
Acontece que era o décimo segundo mês naquela época. Eu me pergunto o que a Imperatriz poderia estar pensando em deixar o herdeiro visitar o Príncipe Huai mesmo assim? Naturalmente, encrenqueiros como Qitan e Qifei e seu grupinho vinham – eram dias em que ninguém tinha qualquer paz na casa.
Eu estava fazendo uma pausa entre todo o caos na sala de estar quando minha mãe me disse que as cozinheiras tinham acabado de fazer alho Laba.
Um servo me trouxe um pouco para provar quando o herdeiro apenas se aproximou e gritou ferozmente: “Não coma isso!” e varreu com a manga do outro lado da mesa. O pequeno prato caiu no chão e quebrou em mil pedaços.
Dentro da sala os servos estavam tão aterrorizados que todos caíram prostrados no chão. Qizhe olhou para mim e disse gravemente: “Est alho está ficando verde. É claramente tóxico – porque insiste em comê-lo?”
Fiquei estupefato por um momento, então eu ri. Os servos bem com minha mãe, que se apressou assim que ouviu o barulho, também riu: “Sua Alteza não deve ter comigo alho Laba antes. Esse tipo de alho só pode ser conservado nessa época do ano”
Ordenei um pouco mais e comina frente dele.
A atendente disse a ele com simpatia: “Sua Alteza é de nascimento nobre, é natural que nunca tenha visto comida comum”
Não era frequente ver Qizhe com o rosto vermelho. Ele disse sério: “Não posso comer alho com frequência”
Presumivelmente é para evitar mau hálito ou liberação de gases, violando a etiqueta.
Comi um dente de alho e Qizhe não parava de olhar para meu prato. Como havia regras afirmando o que ele não podia comer, não me atrevia a servi-lo, então disse a um dos servos para tirar o prato.
Contrariando minhas expectativas, a atendente estava se curvando para pegá-lo quando Qizhe parou a mulher: “Espere um momento”. Ele caminhou até a mesa com uma expressão solene e disse metodicamente: “Devo descobrir mais sobre as coisas comuns para melhor entender as circunstancias comuns”. Pegou, então, um dente de alho Laba e lentamente colocou na boca.
Consequentemente, o príncipe acabou comendo metade do prato de alho enquanto eu comia uma tigela de congee. Qizhe comeu e aproveitou o máximo, o que fez com que minha mãe e eu ficássemos muito preocupados. No final do dia, pedi que servos pegassem um pote de alho Laba e transferissem o conteúdo para uma pequena jarra de porcelana azul, mandando-a junto com o herdeiro de volta ao Palácio.
Aliso a terra com minhas mãos e fico de pé. Qitan diz suavemente: “Tio, não pode ficar aqui por muito tempo. Enquanto em seu coração estiver pensando nele, o ex-Imperador lá em cima… certamente irá saber”
Vagamente me viro e vejo alguém atrás de mim: “Chengjun”
Olho em volta. Em um lugar onde estão enterrados os ossos do Imperador, como poderia encontrar a primeira pessoa a chamar pelo meu nome de cortesia?
Do lado de fora do cemitério, quando entro na carruagem, com o canto dos olhos avisto uma figura parada ao lado da estrada, entre as pedras da montanha. Sorri para mim com olhos e expressão despreocupada, em seguida desaparece.
A chuva cai, as folhas vermelhas são lindamente vibrantes. É como se ele nunca estivesse lá.
Abaixo as cortinas e a carruagem avança suavemente. Volto para a propriedade do Príncipe Dai e irei me preparar para voltar para casa no dia seguinte.
Ransi ainda estará esperando por mim em casa.
Qitan gostaria de me manter aqui por alguns dias, mas digo a ele: “Atualmente, os negócios em crescido e Ransi não consegue fazer tudo sozinho. Devo me apressar de volta”
“Tio, está dizendo isso porque não quer ficar. Não é como se eu estivesse pedindo dinheiro emprestado a você, então porque está fugindo com tanta pressa?”
“Você é, no mínimo, um baluarte principesco do Estado agora. Por que seu discurso é tão manhoso?”
Qitan ri: “Na frente do tio, seu sobrinho sempre será jovem”
Do lado de fora da sala, um bando de crianças brinca no jardim. Ele me diz que alguns são seus filhos e outro de Qifei. Por que a propriedade do Príncipe Dai está cheia de curiosidades e antiguidades, o lugar é bem decorado e com diversão em mente, todos eles gostam de vir brincar aqui.
Sob o toldo da galeria coberta do jardim, alguns eunucos estão de pé com um jovem. Características suaves do pré-adolescente são dolorosamente familiares. Não posso deixar de olhar para ele um pouco mais.
Qitan ri alto: “Esse é um de ‘seus’ filhos. O mesmo que ele, definitivamente o mesmo”
Prossigo com um sorriso.
Meu sobrinho solta um suspiro: “Quando eu os vejo, lembro-me de mim mesmo quando era pequeno, brincando na propriedade do Príncipe Huai… ser criança era muito melhor. Não nos preocupávamos com nada”
Sim, ser criança era melhor. Toda ingenuidade inocente; mesmo quando havia adultos assistindo, ensinando-lhes isso ou aquilo, ainda tinham a natureza das crianças.
Por exemplo, aquele episódio em que os segurei enquanto colhiam flores de ameixa.
Realmente não entendi o que aconteceu naquele dia até que minha mãe me disse depois. Na verdade, a razão pela qual todos aqueles príncipes se reuniram na propriedade do Príncipe Huai era porque meu pai tinha acabado de falecer. Algumas facções diferentes queriam saber onde estava minha lealdade.
Não descobririam até que eu pegasse cada criança. Quando aquela xícara de chá foi virada, segurei Qizhe por mais tempo – assim o Príncipe Huai se juntou à facção do herdeiro.
Você não pode pensar muito nessas coisas. Já se passaram décadas. Muitas pessoas e muitos planos já são nulos e sem efeito. Quando olhos para trás, tudo o que vejo é um bando de crianças vindo para a casa de seu tio brincar, isso é tudo.
Um eunuco entra na sala e diz algo próximo ao ouvido de Qitan. Ele me diz que já volta, então se levanta e sai. Ando para fora lentamente, pela galeria, para observar as crianças enquanto elas brincam. De repente, ouço uma comoção na sala ao meu lado.
Olho para dentro para encontrar Qitan se curvando: “… Vou ver um convidado primeiro, depois voltarei”
Sentado ereto, no assento de honra, está o mesmo jovem da galeria anterior. Seus olhos são infantis e claros, olhando para Qitan enquanto acena com maturidade fingida.
“Então, vou esperar por você aqui, tio”