Lifetime Gifts - Capítulo 7 – Fragilidade humana
Convocar mais alguns magos? De fato, o Rei Demônio poderia fazer isso.
Embora não possa abrir um portal para o mundo da humanidade, pode fazer um produto semiacabado que apenas uma mão consiga passar. Ele não quis. Não queria se comunicar com nenhum outro mago, exceto Artel.
Apenas Artel é confiável e apenas Artel é fofo.
O contrato do mago afirma que ele servirá a cidade demoníaca até que morra. O Rei Demônio pensou que seria um longo processo, achava que muitas coisas poderiam ser consideradas a longo prazo. Sabia que a vida humana é curta, mas não a ponto de morrer.
Depois de falar com seus ministros, o Rei foi para seu escritório e leu muitos documentos sobre os humanos. Descobriu que o conceito de longo prazo em sua mente não era o equivalente aos olhos humanos.
De repente, entendeu porque Artel estava chateado.
Eles se separarão um dia. Para o mago, cada nascer e anoitecer era um período de urgência, poderia ser o último e o Rei Demônio não percebeu. Quando viu o envelhecimento das mãos humanas, viu apenas uma pequena diferença, não vicissitudes indefesas.
(*vicissitude: sequência de mudanças ou transformações; variação; revés ou circunstancias contrárias e desfavoráveis; má sorte)
O Rei Demônio estava de volta ao campo de treino da caixa de areia. Não podia atrasar mais.
Claro, havia vida e morte no purgatório. Demônios também morrem naturalmente. Diferente dos seres humanos, sua morte era devido ao degaste de sua força, não ao envelhecimento de seus corpos. No purgatório, os fracos podem ter apenas algumas décadas para consumir e os fortes podem ter centenas ou milhares de anos. Se uma criatura puder se tornar mais forte e nunca ter perdas, pode ser capaz de se aproximar da eternidade.
Esse rei tinha uma vantagem única a esse respeito, tem uma linhagem antiga e um forte poder. Também tem a Joia de Sangue do dragão, que pode reparar feridas no corpo e na alma.
No entanto, como os restos mortais do grande dragão estão enterrados aqui no plano da caverna ela só pode desempenhar seu papel aqui. Se deixar esse plano físico, seu efeito diminuirá gradualmente. Se sair do plano do purgatório, não será nada mais do que uma bela pedra.
O Rei Demônio tem que trazer Artel o mais rápido possível para reparar sua debilitação com a pedra. Desta forma, não precisarão mais se separar.
Aqui, neste campo de treino, existem muitos artigos temporizadores: relógios mecânicos, relógios de pêndulos, relógios de água, ampulhetas… havia cronômetros em todos os lugares, lembrando o Rei da passagem do tempo. Sua pesquisa era muito concisa e havia progressos novos todos os dias, mas não estava sendo o suficiente, mesmo que fosse muito ágil.
Essa velocidade era um milagre para o purgatório, mas, e para os humanos? Artel poderia esperar pelo sucesso?
Mais tarde, o Rei Demônio moveu seu espelho para a cama, segurando a mão do mago e conversando sempre algo com ele em seus intervalos.
Agora, início de verão, Artel entregou m pequeno pacote de remédio perfumado: “Eu o chamo de lavanda, o que pode acalmar seus nervos. Percebo que não tem dormido muito bem ultimamente”.
“Sim, a insônia me incomoda um pouco”, ele olhou para a pequena bolsa por um tempo. Depois ele perguntou: “Artel… não é um item demoníaco, é?”
“Claro que não”.
“Eu me lembro que tinha dito que apenas itens demoníacos podiam ser enviados através dos planos e que itens comuns seriam danificados. Não estou questionando você, acredito em tudo o que diz, eu apenas…”
Artel riu: “Você está certo. Menti para você sobre coisas comuns sendo danificadas…”
“Está tudo bem mentir para mim”, disse o Rei imediatamente: “Só estou apenas curioso do porquê?”
“Eu te enganei muito”, a mão do mago apertou: “Quando eu era jovem, não tinha dignidade, mas tinha uma forte autoestima. Não queria te dizer a verdade”.
“O que isso tem a ver com autoestima?”, o Rei Demônio não entendeu.
“Quando eu era jovem…”. Talvez esteja mesmo muito velho, tinha que parar a cada poucas palavras para respirar profundamente ou para beber um pouco de água para umedecer sua garganta. Era uma vez, aquelas vezes em que conseguiam conversar uma noite toda: “Lembro quando você ia me dar algumas literaturas sobre a preciosa joia. Eu encontrei uma desculpa e deixar que você lesse para mim”.
“Mn, eu me lembro”.
“Não fiz isso por não ter medo de que o livro fosse danificado, mas porque não consigo ler nada”.
“O que? Você não sabe ler a linguagem do purgatório?”, O Rei Demônio achou estranho que estavam usando sua linguagem sempre em suas conversas.
Artel riu de novo: “Não é que não saiba as palavras, eu não consigo lê-las porque não posso ver nada, Meu Senhor”.
“Você não pode ver? Quando isso começou? Já foi tratado?”
“Fiquei cego antes de você me convocar. Só consigo ler Braille e acredito que a literatura do purgatório não tenha essa versão”.
“Mas… como é possível? Você fez itens mágicos tão bons, tão rápidos…”
“Isso é outra coisa com a qual te enganei”, disse Artel: “Na verdade, de início, os itens eram ruins e lentos. Apenas da perspectiva do purgatório, talvez vocês pensem que minha velocidade é rápida. Ficou melhor com o passar dos anos. Tornei-me mais proficiente e fui ganhando mais dinheiro. Pude contratar servos para me ajudar com minhas tarefas e também entrei em contato com meus ex-colegas e paguei por itens demoníacos que você queria”.
O Rei ficou atordoado e sem palavras por um momento. Havia aquelas folhas de bordo, Artel não conseguia ver as cores, então deu um monte delas, que não tinham a cor vermelha. Havia também aquele buquê de rosas, onde o mago podia sentir que as flores estavam cheias, mas não conseguia ver as pétalas descoloridas, muito menos escolher o embrulho e a fita com cores harmoniosas.
A comida de Artel sempre foi muito ruim, feia e sem gosto. Não fora fácil para ele cozinhar e se alimentar sozinhos desde que ficou cego. Era praticamente impossível fazer uma comida cheia de cor, sabor e textura.
O mago retirou sua mão e foi beber um pouco de água, em seguida, respirou pesadamente e estendeu a mão de volta: “Não sou um bom mago. Mais tarde, aqueles itens com princípios complexos ou mesmo os de simples operação não foram feitos por mim. Nas transações com você, recebo ricas recompensas e confio nelas para viver uma vida melhor. Mas também contratei outros magos para me ajudar a fazer as coisas. Se pensar bem, estou envolvido, na melhor das hipóteses, sou um participante, mas não seu criador”.
“Isso… não importa”, o Rei Demônio acariciou as costas das mãos enrugadas: “De qualquer forma, você me ajudou. Eu deveria tê-lo tratado de uma forma melhor…”
Artel continuou: “Não sou um feiticeiro. Antes de te conhecer eu era apenas um aprendiz e era um dos melhores. Eu me gabava de já ser assistente do tutor e o ajudava na administração que organizava seu ensino. Os outros aprendizes tinham mais medo de mim do que do tutor. Era tão jovem e orgulhoso que cometi erros irreparáveis em um experimento. Perdi meus olhos e matei um colega”.
O Rei Demônio beijou sua mão de maneira reconfortante. Esse era um Artel que ele aprendera a aceitar, não fazia mais barulho quanto a isso.
“… Então deixei a torre do mago tutor. Não sei como ele ou meus colegas me encararam, não pude ver. Voltei para minha cidade natal, onde não era um mago respeitado, apenas um perdedor que foi expulso de seu curso por causar um erro fatal. Pode imaginar como a cegueira é um golpe fatal para um mago? Embora ainda pudesse lançar feitiços com as duas mãos, foi muito difícil aprender novas habilidades mágicas e me envolver em novos conhecimentos…”
“Então… você machucou sua mão naquele experimento?”
“Que mão?”
“Sua mão esquerda. Quando foi convocado, disse que estava fraturada e imobilizada”.
Artel fez uma pausa e riu muito: “Não tive uma fratura. Tive um ferimento que causava sangramento, era óbvio, mas não fatal. É por isso que disse tanta coisa sem hesitação. Finalmente, pedia você aquela erva que me ajudaria a parar com esse sangramento”.
O Rei estava deprimido. Agora o ambiente não estava muito bom, nem doce, nem caloroso, como o arrependimento e confissão de alguém no leito de morte.
Depois disso, o Rei ainda estava ocupado com seus experimentos diários, quase se esquecendo de dormir ou comer. Entrava em contato com o mago todas as noites para saber se estava pelo menos saudável.
No meio do verão, deu a Artel um pacote com incensos, o outro disse que, por estar calor, tinha receio de não usá-los. Um dia no final do outono, o mago humano trouxe uma pilha de folhas caídas. Disse que a filha de um servo recolheu para ele no pomar. Ele não conseguia ver as cores, mas a menina disse a ele uma por uma.
“Você parece ser um mago muito querido. Os filhos dos servos te amam muito”.
O homem torceu o caule de uma delas e disse fracamente: “Sim, estou muito satisfeito com minha vida. Antes estava muito despreparado, mas agora não mais. Estou satisfeito, de verdade”.
“Não sou bom o suficiente. Espero que você tenha uma vida melhor”.
“Já está bom o bastante. Senhor, naquela época, não conseguia sonhar com os dias de hoje. Eu até queria morrer antes de te conhecer…”
“O que?”
“Está tudo bem, não quero morrer agora. É porque eu conheci você”.
O Rei Demônio colocou a mão humana em sua bochecha: “Artel, eu vou trazê-lo para cá em breve. Gostaria de vir comigo?”
“Sim, mas talvez… não haja tempo”.
“Não diga isso. Minha pesquisa está indo bem. Espere um pouco mais…”
A mão do mago se moveu: “Ajude-me, meu Senhor”.
O Rei Demônio reagiu depois de entender que o humano estava muito fraco para levantar seu braço por muito tempo. Envolveu sua mão, guiando-o para acariciar seu rosto.
“Nunca o vi”, disse o mago com pesar: “Claro… você também não me viu”.
“Não tenha medo quando me vir”.
“Sei como são os demônios. Quando meus olhos eram normais, via nos livros”.
“AS enciclopédias nem sempre são precisas”, brincou o Rei, mas de fato não conseguia rir: “Sou muito mais assustador do que meus colegas. Algumas criaturas menores morrem de medo apenas de me ver”.
“Não vai haver problema. Minha lesão nos olhos é permanente, não poderão ser curadas nem mesmo no purgatório”.
“Realmente é uma pena”, disse o Rei, segurando a mão do velho, beijando cada um dos seus dedos: “Mas quero te ver, preciso te ver. Mesmo que não possa me ver, eu preciso te ver. Você assinou um contrato comigo, sua vida pertence a mim”.
“Claro, meu Senhor… minha vida é toda sua”. A voz de Artel tremia.
No final do outono, as folhas caíram e o mundo deu início a um inverno rigoroso. Humanos tem festivais de solstícios, mas Artel estava muito fraco para participar de qualquer festa. Passou a maior parte de seu tempo com o Rei Demônio, através do tempo e do espaço.
(*solstício: período do ano em que, no movimento aparente do céu. O sol está mais afastado da linha do equador, fazendo com que a luz solar incida com maior intensidade nos hemisférios; em geral são festas que celebram as colheitas)
Em um dia de verão, O Rei Demônio voltou para seu quarto depois de sair do seu laboratório de caixa de areia. Em pé, frente ao espelho, ficou pasmo. As ondulações no espelho desapareceram e o vidro, frio e liso, não podia mais ser atravessado pela mão.
Isso mostrava que o caminho para o outro mundo havia sido quebrado, a convocação acabou e o contrato foi concluído.
Artel Hope morreu antes que o verão voltasse.